Recordamos que desde o primeiro momento sublinhámos serem dois os principais objectivos deste novo regime: por um lado, promover um processo de liberalização do sector dos transportes, que acabará por traduzir-se numa ainda maior redução da oferta, num ainda maior aumento de custos para os utentes, numa intensificação da exploração dos trabalhadores do sector e num aumento do risco ao nível da segurança; por outro lado, transferir para as autarquias novos encargos financeiros, impor-lhes o lançamento de novos impostos à população e o ónus da insatisfação gerada pela degradação de mais este serviço público.

Estamos perante um processo dirigido pelas multinacionais para impor o seu domínio e as suas condições a todo um sector, arrasando com as relações jurídicas anteriores e usando a sua acrescida capacidade financeira para esmagar no processo as empresas nacionais e as relações laborais existentes. E não atribuímos a qualquer tipo de incompetência as lacunas e omissões que constam do Regime e da sua regulamentação: fazem parte do processo de destruição e dos pérfidos mecanismos que pretendem colocar o Estado na completa dependência das multinacionais e da banca.

Com a entrada em vigor deste Regime Jurídico confirmam-se e avolumam-se as preocupações que a seu tempo formulámos:

O Governo extinguiu a Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa, e atribuiu as suas competências a várias entidades: à Área Metropolitana de Lisboa (para quem transferiu uma pequena parte dos trabalhadores da AMTL); às novas 18 potenciais Autoridades de Transporte (os municípios); ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes; e à (nova) Autoridade da Mobilidade e Transportes. Esta pulverização realizada num momento em que existem severas limitações legais à possibilidade de contratação pública e ainda mais severas limitações financeiras está a criar um vazio perigoso que necessariamente será aproveitado pelos predadores privados para se apropriarem de cada vez mais fundos públicos. Paralelamente, e como é costume, está atrasada a regulamentação desta Lei e a produção e divulgação de um conjunto determinante de instrumentos de gestão, que o Governo deveria ter já produzido de acordo com o próprio regime (por exemplo, o Fundo do Serviço Público de Transportes, as regras gerais relativas a títulos e tarifas, o Transporte Flexível, a extensão do Passe Social + a todo o país, o Portugal Porta-a-Porta, os Guiões de apoio às autoridades de transporte, o regime de contraordenações, etc) , dificultando a vida de todas as entidades públicas, mas facilitando o caminho dos predadores privados.

É ilustrativa do novo quadro que se pretende criar, com as autarquias e a AML reféns dos operadores privados, o que aconteceu na sequência do desmascaramento da tentativa do anterior Secretário de Estado dos Transportes de perdoar 18 milhões a esses mesmos operadores privados com o Despacho de 10 de Agosto: a reacção chantagista do Governo e dos operadores privados, que imediatamente exigiram que a Área Metropolitana de Lisboa fosse cúmplice deste processo ou enfrentasse as consequências, com o Governo e os operadores privados a ameaçarem com o fim do passe intermodal e o aumento brutal de preços para os utentes.

É igualmente ilustrativo a reação dos operadores privados (neste caso a TST) – que durante anos abandonaram as populações da Moita a um serviço cada vez mais escasso e degradado – ameaçando agora com o Tribunal para defenderem os seus direitos adquiridos e tentandpo impugnar as soluções que as autarquias encontraram utilizando operadores públicos (neste caso, os TCB).

Não é possível gerir um sistema de transportes metropolitano com a fragmentação que o Regime criou. Centenas de licenças e alvarás na Área Metropolitana de Lisboa do sector rodoviário terminam já em Junho de 2016, com o risco de provocarem a interrupção do serviço às populações ou serem assumidos compromissos inaceitáveis com operadores privados. Em muitos concelhos, são três as autoridades de transporte (municipal, metropolitana e nacional) com responsabilidades desconexas e não hierarquizadas. A organização e o planeamento de transportes na área metropolitana deveria assumir um âmbito regional, e este regime dificulta soluções integradas e dá força a soluções casuístas e locais, promovendo uma «destruição criativa» para depois as multinacionais virem "resolver" o caos.

Face a esta situação, e porque a mobilidade é um direito, o PCP entende:

Que o despacho Despacho n.º 8946-A/2015 de 10 Agosto seja expurgado das cláusulas que representam uma oferta de mais de 18 milhões de euros ao Grupo Barraqueiro e à Arriva/DB.

Que a Assembleia da República, rapidamente, promova a revisão do Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros, no sentido de defender as populações e as autarquias das suas consequências mais imediatas, promovendo um verdadeiro serviço público de transportes e não a captação de novas rendas pelas multinacionais através da mercantilização em curso..

Que a Assembleia da República inicie o processo de revisão mais profunda deste Regime. Que essa revisão, no que à Área Metropolitana de Lisboa diz respeito, garanta: o financiamento pelo Orçamento de Estado do sistema de transportes; a existência de uma Autoridade Metropolitana de Transportes não governamentalizada, envolvendo as autarquias e o Estado Central; o alargamento do Passe Social Intermodal a toda a região e a todos os operadores, sem aumento de custos para os utentes, que já pagam os transportes mais caros da União Europeia; a manutenção na esfera pública dos actuais operadores públicos (Carris, Metro, Transtejo, Soflusa, CP) e a progressiva integração na esfera pública, até 2019, daquilo que hoje é prestado por operadores privados (Fertagus, MST, Rodoviárias diversas dos Grupos Barraqueiro, Arriva e Jacob Barata).

Os últimos anos ficaram marcados por importantes acções de luta das populações, dos utentes e dos trabalhadores do sector em defesa dos transportes públicos. É urgente e possível inverter o caminho de degradação dos transportes públicos. O PCP apela a uma crescente mobilização das populações e dos trabalhadores.

5 de Novembro de 2015