Esta medida é totalmente inaceitável, porque liquida mais dois serviços sociais e extinguiria mais 12 postos de trabalho, mas também porque faz parte de um quadro de liquidação das empresas públicas, onde para todas as dificuldades o Governo aponta como solução o encerramento e liquidação de serviços públicos - com a abertura de novas possibilidades de negócio para os privados.


Num contexto em que a carência de equipamentos e respostas da rede pública para a infância é absolutamente gritante, estes encerramentos, sem qualquer articulação com as Organizações Representativas dos Trabalhadores e com as autarquias locais, constituem um exemplo particularmente clamoroso - e esclarecedor - das opções políticas deste Governo.


Segundo informações chegadas aos deputados do PCP, a Administração da Empresa apresenta esta decisão com dois argumentos: a «desproporção dos encargos em causa» e a «falta de vocação da Empresa para gerir os Infantários». É da mais elementar evidência que, por um lado, nenhum encargo a este nível é aceitável para quem pretende destruir equipamentos sociais; e por outro lado, que a "vocação" das empresas em garantir respostas de apoio à infância, aos trabalhadores e às suas famílias é uma "vocação" que não resulta de nenhum estatuto ou decreto: resulta das orientações de quem dirige essas empresas e principalmente das pessoas que lá trabalham.


Aliás, e ainda a propósito de "vocações", importa sublinhar que a vocação, o empenho, o profissionalismo e o carinho com que as equipas destes Infantários se dedicam a estas crianças, são realidades concretas ao longo dos anos na Parede e no Barreiro. Sempre a dedicação das trabalhadoras e trabalhadores destes equipamentos foi muito valorizada pelos pais destas crianças.


No entanto, de acordo com informações chegadas há dias a Administração invocou até a publicação de um diploma legal relativo à instalação e funcionamento das creches para procurar justificar o encerramento.


Presume-se que se trate da Portaria n.º 262/2011 de 31 de Agosto. Ao que se sabe, a Administração pretendeu afirmar que esse diploma supostamente obrigaria a C.P. a efectuar dispendiosas obras na creche, obrigatoriamente no prazo de 90 dias, para ter licença de funcionamento. Ora, ou se trata de um outro diploma, ou então está-se perante uma inqualificável mistificação. É que todas as normas dessa portaria que sejam relativas a condições de implantação, edifícios, acessos, características de materiais e equipamentos, condições ambientais, instalações e licenciamento das creches são normas cujo âmbito de aplicação exclui expressamente as creches já em funcionamento (cf. Artigo 2.º, n.º 2 da portaria citada). Cai assim pela base qualquer argumentação no sentido de supostas restrições legais que levassem ao encerramento da creche.


O que está à vista é a opção clara no sentido de encerrar equipamentos, retirar apoios, negar direitos. Essa é que é a "vocação" destas administrações e deste Governo.


Esta situação está a provocar a indignação e a revolta dos pais e encarregados de educação.


Terá sido manifestado aos pais das crianças destes Infantários a "abertura" da Administração da empresa a analisar eventuais propostas dos pais relativamente a Infantários escolhidos por eles.


Ficou sem resposta a questão de saber por quanto tempo a C.P. iria pagar esses Infantários escolhidos.


Existem situações que foram abertamente testemunhadas, de trabalhadores que fizeram escolhas profissionais sobre as suas carreiras e sobre a empresa (CP ou REFER) precisamente devido ao facto de existirem estes Infantários. Agora estas crianças, filhas e filhos de ferroviários, que ali são cuidadas, que ali brincam, crescem e se desenvolvem, são sacrificadas e utilizadas como indicador financeiro para exibir à troika.


Cabe aqui, a este propósito, pela sua importância e oportunidade, citar as palavras transmitidas por alguém que lida todos os dias com as crianças de um destes Infantários: «A entrada numa creche é marcada pela adaptação, sendo esta uma etapa fulcral para criar ou estabelecer vínculos afectivos com os adultos. Trata-se de uma fase delicada tanto para os bebés como para as restantes crianças, que terão de se adaptar a pessoas estranhas (os novos prestadores de cuidados) e ambiente. Este processo não se restringe aos filhos, mas também aos pais, que precisam de estabelecer um vínculo e grande confiança nas pessoas que irão tomar conta dos seus filhos. Na adaptação analisam educadoras e funcionários e partilham dúvidas, expectativas e experiências. Só quando estes se sentem tranquilos é que passam este sentimento aos filhos permitindo-lhes maior segurança para se acomodarem à nova vida. Deste modo facilita-se o potencial desenvolvimento da aprendizagem, da socialização, desenvolvimento da coordenação, da lateralidade, percepção, linguagem, raciocínio lógico, para além de se trabalhar a autoconfiança e auto-estima.

Quando este processo está efectivado, relembrando que é nos primeiros anos de vida que relações emocionais afectivas são vistas como as bases primárias mais importantes para o desenvolvimento intelectual e social da criança, desempenhando um papel de instrumento de aprendizagem, é dramática qualquer alteração que coloque em risco as relações estabelecidas e aquisições adquiridas. Uma alteração súbita para uma criança, e pais, pode levar a um estado de ansiedade, insegurança, choro, dificuldade de re-adaptação e integração num novo espaço/pessoas. Torna-se difícil fazer com que, as crianças se adaptem a um novo espaço/pessoas, e voltem a confiar no adulto, tendo este passado a ter características de inconstância e inconsistências.

Face a estas situações de mudança, a criança reage com grande intensidade e mal-estar, sendo as alterações vividas de forma sofrida e destabilizadora. Deste modo necessitam de estabelecer relações que contribuam para o seu desenvolvimento pessoal e para sua organização, não devendo ser submetidas a mudanças que possam provocar algum tipo de instabilidade emocional, devendo permanecer na mesma escola durante os primeiros anos de vida. É bom relembrar que todos os esforços e a atenção de pais e educadores e restantes funcionários durante esse período têm um objectivo em comum: a segurança e felicidade das crianças.»


Perante este testemunho, apenas uma coisa há a acrescentar. Quando os sucessivos governos enchem os discursos com votos pios sobre a "promoção dos valores da família", a "conciliação da vida familiar com a vida profissional", a "responsabilidade social das empresas", quando o chefe de estado faz em público a pergunta sobre "o que será preciso para nascerem mais crianças em Portugal", são decisões como esta que desmascaram da forma mais revoltante a infinita hipocrisia política dos governantes, o desumano "pragmatismo" de administradores e mais uma vez a necessidade dos trabalhadores se unirem e mobilizarem em defesa dos direitos, conquistas e avanços sociais.

 

O deputado do PCP eleito pelo distrito de Setúbal, Bruno Dias, interrogou o Governo para saber se este deu orientações à Administração da CP para violar a lei, na medida em que tomou esta decisão sem qualquer informação ou auscultação das Organizações Representativas dos Trabalhadores, contrariando até a informação prestada à Comissão de Trabalhadores, em claro afrontamento da lei.


O deputado do PCP quis saber que contactos teve o Governo com as Câmaras Municipais de Cascais e do Barreiro e, se os houve, que opiniões e propostas foram apresentadas pelas autarquias. Se não os houve, como explica o Governo essa situação.


Bruno Dias também inquiriu o Governo se foi feita alguma avaliação sobre os impactos desta medida, ao nível técnico e científico, do ponto de vista dos impactos sobre o desenvolvimento intelectual e social das crianças em causa, se não foi feita, como explica o Governo essa situação e que medidas serão tomadas pelo Governo para pôr cobro a este vergonhoso caminho de encerramento dos Infantários, que a Administração da CP está a querer impor aos ferroviários e aos seus filhos.