Pela defesa, qualificação e promoção do serviço público de transporte fluvial nas empresas Transtejo e Soflusa

Ao longo dos anos o Partido Comunista Português tem vindo a defender e a propor medidas para a melhoria do sistema de transportes e mobilidade – e a alertar para a situação de abandono, desinvestimento, subfinanciamento e degradação do transporte público, neste caso concreto do transporte fluvial e das empresas Transtejo e Soflusa. A falta de condições para a manutenção, modernização e renovação das frotas, os constrangimentos e mesmo a proibição legal de recrutamento e reforço dos quadros de pessoal, o ataque aos trabalhadores e aos seus direitos, resultaram numa situação insuportável para as populações.

Trata-se de um processo de degradação que não se resume a uma legislatura ou duas: começou há dezenas de anos e teve particular gravidade com as medidas impostas pelo anterior governo PSD/CDS no quadro do Pacto de Agressão assinado pelo PS, PSD e CDS com a troika estrangeira da União Europeia, FMI e Banco Central Europeu. Os problemas resultantes dessas políticas atingiram nos últimos anos proporções sem paralelo, em particular com incidência nos atrasos e na supressão de inúmeras carreiras.

A luta das populações, dos trabalhadores e dos utentes veio chamar a atenção para a necessidade urgente de enfrentar e responder aos problemas graves que se colocam a estas empresas. Aliás, essa luta, que já havia derrotado os propósitos do anterior governo PSD/CDS (desde logo a pura e simples eliminação das ligações fluviais entre Lisboa e Montijo, Seixal e Trafaria, no período noturno e aos feriados e fins de semana), intensificou-se perante a degradação do transporte público, com concentrações, vigílias, abaixo assinados e muitas outras jornadas. A apresentação de petições ao poder político insere-se nessa dinâmica. Na presente Legislatura, a Petição “Por um melhor serviço público, renovação e reforço da frota Transtejo/Soflusa” foi promovida pela Comissão de Utentes dos Transportes do Seixal e Comissão de Utentes do Cais do Seixalinho – Montijo, e contou com 4678 subscritores. A apreciação parlamentar desta iniciativa dos utentes permitiu à Assembleia da República uma abordagem à situação e aos problemas do transporte fluvial, com uma informação concreta e detalhada que evidenciou a flagrante falta de resposta que se verifica da parte do atual governo minoritário do PS face às carências estruturais e aos graves constrangimentos colocados a estas empresas.

Para além dos promotores e dinamizadores da Petição, por iniciativa do PCP em sede de Relatório, foram ouvidas as Organizações Representativas dos Trabalhadores da Transtejo e da Soflusa, o Conselho de Administração das empresas e a Autoridade da Mobilidade e Transportes. Por outro lado, merece destaque a realização, no auditório do Terminal Fluvial do Cais do Sodré, de uma audição pública, aberta à participação dos utentes, que permitiu assim recolher o testemunho e a intervenção de utilizadores de todas as linhas do transporte fluvial para Lisboa, desde o Montijo à Trafaria.

O processo de apreciação parlamentar da Petição em causa permitiu assim o acesso a elementos de inegável relevo e significado sobre a presente situação do serviço de transporte fluvial, confirmados pela Administração da Transtejo e da Soflusa: a inexistência de indemnizações compensatórias; a inexistência de plano de atividades e orçamento (obrigando a constantes pedidos de autorização de despesa ao Governo); bem como a grave falta de pessoal em todas as áreas do serviço da empresa, das tripulações à manutenção, passando pela área comercial, técnica e administrativa.

Segundo os dados da Transtejo e Soflusa, de dia 11-11-2018, a situação das frotas das empresas era a seguinte: dos onze navios da Soflusa (Barreiro/Lisboa), sete estavam operacionais; e na Transtejo sete catamarãs, dos quais cinco operacionais, dois “ferryboats” um dos quais operacional e cinco “cacilheiros”, dos quais apenas um operacional, ao qual se junta o navio São Jorge. Ainda segundo a empresa, os encargos relacionados com as frotas, entre procedimentos em curso e os já realizados, ascendiam em 30 de setembro a 98,07 por cento para a Transtejo e a 97,5 por cento para a Soflusa face à dotação orçamental disponível no Orçamento de 2018, corrigida de cativos.

Esta situação é o resultado direto da política seguida durante décadas, de subfinanciamento a estas empresas e ao serviço público que elas devem prestar – com a agravante de se juntar, ao problema da escassez de recursos, o problema da instabilidade e imprevisibilidade, devido à discricionariedade ou mesmo arbitrariedade com que os governos têm vindo a determinar as verbas que em cada ano são utilizadas. Este comportamento e esta política, subfinanciando e causando instabilidade na gestão das empresas públicas sob sua tutela, é objetivamente um dos fatores que levaram ao desequilíbrio financeiro, levando a que os custos do serviço da dívida agravem os prejuízos provocados pelo subfinanciamento, tudo contribuindo para degradar artificialmente as contas das empresas e facilitar a justificação da sua alienação.

A situação coloca-se com mais gravidade ainda quando se verifica que até em relação ao passe social intermodal estas empresas públicas estão a ser prejudicadas. As Resoluções do Conselho de Ministros n.º 150/2018 e 184/2018 vieram clarificar que, mais uma vez em 2018, na Área Metropolitana de Lisboa, as empresas públicas do Sector Empresarial do Estado serão excluídas da compensação devida pelo passe social intermodal. Esta exclusão afeta a Transtejo e a Soflusa, para além da CP e do Metropolitano de Lisboa. Aliás, o texto da Resolução do Conselho de Ministros n.º 184/2018 fala da necessidade de «garantir a integral compensação financeira de todos os operadores pela disponibilização dos títulos de transporte intermodais», mas depois deliberadamente exclui quatro dos principais operadores, por serem empresas públicas.

Importa recordar que ao longo dos anos e das legislaturas, o PCP tem vindo a desenvolver múltiplas e diversificadas iniciativas na Assembleia da República no sentido de dar voz à situação destas empresas e deste serviço público, dos seus utentes e trabalhadores, chamando a atenção para os problemas e questionando os responsáveis governativos e da administração, mas também no sentido de apresentar propostas e soluções concretas para as situações identificadas. Desde diversos debates e interpelações em Plenário e na Comissão Parlamentar até aos requerimentos e questionamentos por escrito junto da Mesa da AR, passando por iniciativas legislativas, as questões do transporte fluvial têm sido colocadas de uma forma sistemática pelo PCP na AR.

Mais recentemente, no debate do Orçamento do Estado, o PCP propôs um reforço de verba a transferir para a Transtejo e a Soflusa, destinado ao investimento na conservação e reparação da frota. Foram apresentadas ainda propostas do PCP no sentido de retirar o mecanismo de bloqueio orçamental a empreitadas de grande e pequena manutenção, bem como para o cumprimento dos requisitos de segurança da respetiva atividade operacional, previstos nos respetivos orçamentos. Propusemos ainda a inclusão destas empresas (no conjunto das empresas de transportes do Sector Empresarial do Estado) no regime indemnizações compensatórias que venha a resultar da contratualização de serviços de transporte sujeitos a obrigações de serviço público – que continua a excluir a Transtejo e a Soflusa. Todas estas propostas foram rejeitadas com o voto contra do PS e a abstenção do PSD.

O Governo anunciou – tem vindo a anunciar inúmeras vezes desde há um ano – a compra de dez novos navios. É uma decisão importante, desde que se concretize, mas não basta. Os problemas com que estas empresas se debatem exigem medidas imediatas enquanto os novos navios não chegam, além de medidas de fundo que o Governo reconhece serem necessárias, mas tarda em concretizar.

O caminho que trouxe a degradação da frota das duas empresas e de cortes na oferta de transporte público fluvial tem que ser travado e invertido. Para isso é indispensável que sejam admitidos os trabalhadores em falta, nomeadamente da manutenção e marítimos; que sejam adquiridas as peças e sobressalentes necessários à manutenção corrente das embarcações; que sejam reparados e saiam do estaleiro os navios que lá estão e entrem outros que estão parados; que sejam realizadas intervenções de fundo nos pontões que carecem de reparação, com particular destaque para a situação dos pontões no Terminal da Soflusa no Barreiro e no Terminal da Transtejo no Seixal.

Torna-se cada vez mais urgente e indispensável desenvolver uma política séria e consequente de defesa, melhoria e promoção do serviço público de transporte. O direito das populações à mobilidade e aos transportes públicos de qualidade, com conforto, preços acessíveis, boa cobertura horária e com uso eficiente de energia é uma opção que deve estar inscrita no modelo de desenvolvimento do País. Para a qualidade de vida das populações da Área Metropolitana de Lisboa, o transporte fluvial deve ser reconhecido no seu papel estratégico para a coesão, a qualificação e o desenvolvimento deste território.

Assim, tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do artigo 156º da Constituição da República e da alínea b) do número 1 do artigo 4º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, propõem que a Assembleia da República adote a seguinte Resolução:

A Assembleia da República, nos termos do nº 5 do artigo 166º da Constituição da República, resolve recomendar ao Governo a intervenção urgente na defesa, qualificação e promoção do serviço público de transporte fluvial nas empresas Transtejo e Soflusa, através da adoção das seguintes medidas:

1. A garantia efetiva do rigoroso cumprimento dos horários e o fim das supressões de carreiras, promovendo um transporte público com qualidade, regularidade e fiabilidade;

2. O reforço da oferta de transporte em todas as ligações fluviais, aumentando o número de carreiras – quer nas horas de ponta quer ao longo do dia – e alargando o horário de funcionamento, em particular no período noturno;

3. A definição e cumprimento efetivo de um quadro plurianual de financiamento ao serviço público prestado por estas empresas, visando o equilíbrio operacional e o reforço do investimento, bem como a integral compensação financeira pela disponibilização dos títulos de transporte intermodais, e viabilizando a autonomia de gestão que garanta o seu regular funcionamento;

4. A realização de um processo urgente de recrutamento de trabalhadores, a partir da identificação das necessidades atuais e previsíveis dos quadros de pessoal, designadamente nas tripulações, na área comercial, na manutenção e serviços técnicos;

5. A integração imediata, com contrato efetivo, dos trabalhadores em situação de precariedade, nomeadamente os marítimos ao serviço nas embarcações auxiliares, vulgo pontões, atualmente contratados por via de empresas de trabalho temporário;

6. A concretização urgente do concurso público, já muitas vezes anunciado, com vista à aquisição de navios para renovação das frotas das duas empresas;

7. O reforço do financiamento das operações programadas de manutenção de navios e de embarcações auxiliares, com elaboração de cadernos de encargos adequados, a partir da avaliação e inspeção técnica de cada unidade a intervencionar;

8. A elaboração de um plano especial de intervenção na reparação de navios, com vista à recuperação de embarcações atualmente inoperacionais que possam assim ser novamente colocadas em funcionamento para reforço das frotas;

9. A realização das obras de requalificação de terminais fluviais, com particular prioridade para Cacilhas e Barreiro, incluindo a melhoria das instalações e condições de trabalho nos serviços da empresa;

10. A criação de condições para o incremento da oferta de transporte de bicicletas a bordo, permitindo melhores possibilidades de utilização de modos suaves de mobilidade;

11. A realização, em articulação com a Administração do Porto de Lisboa, das dragagens necessárias à navegabilidade dos canais e bacias de manobras com risco de assoreamento;

12. A diversificação da operação e fontes de receita, retomando a área de atividade turística fluvial que foi retirada à empresa nos últimos anos.

Assembleia da República, 25 de janeiro de 2019

Os Deputados,

BRUNO DIAS; FRANCISCO LOPES; PAULA SANTOS; JOÃO OLIVEIRA; ANTÓNIO FILIPE; ANA MESQUITA; RITA RATO; DUARTE ALVES; JORGE MACHADO; DIANA FERREIRA; ÂNGELA MOREIRA; CARLA CRUZ; PAULO SÁ; JOÃO DIAS